Quando menos se espera a vida pode-nos pregar uma partida. Pedro Cardoso, aos 34 anos, e com uma lesão na gengiva, dita normal, foi apanhado de surpresa quando é deparado com o diagnóstico de cancro. Mas, quando tudo parecia estar mal, a força interior foi o suficiente para o motivar a correr maratonas, fazer triatlos, e, ainda, um Ironman (uma prova física de esforço elevado que envolve natação, ciclismo e corrida, sem qualquer interrupção). Pedro conta-nos a história.
Como descobriu que tinha cancro?
Sempre fui uma pessoa saudável. Aos 34 anos com uma lesão na gengiva fui ao médico, e a base da relação com um médico, é sempre a confiança. Tinha-me dito que era um supranumerário, ou seja, um dente a mais, e consulta após consulta foi-me sempre dito que estava tudo bem. Muitos meses depois de estar a ser seguido, estava de férias e tive uma dor forte na gengiva, atrás do dente do siso. Quando procuro o médico que me estava a seguir, ele não estava disponível, acho que foi a minha salvação. Fui à procura de uma segunda opinião, em que me foi dito que à partida não seria nada, mas que iriamos realizar uma biópsia. Disseram que se passado 10 dias não dissessem nada estaria tudo bem. Passaram 14 e chega o diagnóstico. A minha mulher estava grávida, da minha segunda filha, quando soube que tinha cancro.
Qual foi o seu primeiro pensamento?
Perdi a orientação. Perdi qualquer raciocínio lógico. Tive medo. Foi um impacto que não consigo transmitir. Mesmo que a doença seja cada vez mais frequente, ninguém está preparado, nem ninguém quer ouvir falar. Todos temos receio da palavra cancro, significa angústia, medo, é uma palavra que por muito que não queiramos admitir, ainda é, um tabu. Toda a gente prefere não ter de falar deste tema.
Tinha algum comportamento de risco?
Não tinha comportamentos de risco, este tumor está muito associado a quem bebe, fuma e não tem higiene oral, é o perfil de comportamento de risco. Além disto tudo estava a ser orientado.
Percebeu o que se estava a passar?
Não, isto demora a processar. Quando vi o TAC percebi a gravidade e a não gravidade, porque não tinha metástases. Nesse momento comecei a mudar o pensamento e em vez de me focar no problema pensei no que poderia fazer. Era perceber o que estava ao meu alcance para curar esta doença. Há aquela ideia de que nos vamos entregar à medicina e que os médicos nos vão salvar, mas isso não chega. O diagnostico não era favorável, além de ser uma doença mutilante tem uma taxa de mortalidade elevada.
Em todo este processo o que o marcou mais?
Para mim o mais marcante foi a radioterapia, além da cirurgia de 6 horas. Estava todo entubado não conseguia falar tive de comunicar com o meu pai e a minha esposa por escrito. Foram 24 horas em agonia, foi uma coisa surreal. Quinze dias depois de sair já estava a fazer ciclismo. Tive logo vontade de fazer alguma coisa. Antes já fazia BTT por lazer. O meu foco era estar ativo. Apesar das dores e das limitações que tinha após cirurgia consegui fazer BTT na mesma, mas quando comecei as sessões de radioterapia já não dava mais... Perdi 20kg.
Reconhecia-se quando olhava ao espelho?
Não. Sinto que estou muito diferente. Os médicos diziam para esquecer a minha vida, que agora tudo ia ser diferente. Tinha a cara queimada, a pele saía, não conseguia dormir, a respiração era muito difícil, e só ouvia que tinha de esquecer o desporto e que podia, apenas, caminhar à beira-rio. Quis mostrar a toda a gente que era capaz de fazer tudo, era difícil. A minha segunda filha tinha acabado de nascer e não estava a conseguir acompanhar, a outra tinha quatro anos, e estava num sofrimento tal... tinha de mudar o rumo das coisas.
Como o fez?
Primeiro comprei uma máquina de musculação. A médica do IPO apostou comigo que não ia ultrapassar os 70kg. Numa fase inicial foi muito difícil, tudo o que comia deitava fora, tive crises de fígado, não estava mesmo a conseguir, mas não desisti ia sempre tentando comer. No final do verão consegui fazer uma meia-maratona de BTT, com muito custo, nem um ano depois de todo este processo ter começado. Se me perguntar como é que fiz a prova, não sei, mas foi uma sensação muito boa. A partir daí comecei a criar uma rotina de desporto, de alimentação, podia ter ficado parado no sofá, à espera da próxima consulta, seguindo todas as indicações médicas, mas não fiquei.
Foi contra indicações médicas?
Em algumas coisas fui. Os médicos são muito conservadores, jogam pelo seguro, mas se não arriscasse ficava sempre assim. Fiz mais de 12 cirurgias. Fiz reconstrução facial.
Valeu a pena?
Sim, sem dúvida. A minha parte estética e funcional estava afetada, tinha edemas na cara, que acabavam por ir inchando e alterando durante o dia.
Além da maratona de BTT que outra prova realizou?
Decidi fazer a meia-maratona do Porto, com 2horas e 7 minutos, foi uma felicidade cortar a meta. Treinava independentemente de tudo. Em 2013 fiz um triatlo, onde a ordem é natação, ciclismo e atletismo, fui para um clube em São Mamede, achavam que ia estar lá um ano e desistir. Era mais o tempo que não podia treinar do que o que tinha para treinar. Chegava a estar 2/3 meses sem treinar, mas sempre quis continuar. Em 2016 fui fazer o grande fundo na Régua e 3 dias depois fui a Fátima a pé. Nesse ano ainda fiz um grande fundo no Gerês, um triatlo e uma prova de ciclismo, sentia-me o super-homem. Desde que isto me aconteceu adotei um lema de vida: “vou hoje porque amanhã não sei como vou estar”. Só damos valor quando não podemos estar lá. O desporto salvou-me.
De onde nasce o projeto “anything is possible”?
Na altura da pandemia falei com um senhor, que era sobrevivente de cancro, fazia triatlo e tinha o sonho de fazer um Ironman. Encontramo-nos na altura da pandemia na marginal de Gramido, foi uma amizade que nasceu do virtual para o real. Convidou-me para fazer um Ironman com ele. Eu achava que não tinha condição física para o aguentar, mas achei que o sonho da vida dele era aquele e tinha de o apoiar. Foi um ano de preparação conjunta, onde ele montou um projeto a volta dessa vontade de vencer e de realizar o sonho, só que a meio do processo a doença dele não permitiu. E eu aguentei até ao fim, por mim e por ele.
Guardei uma mensagem dele: “pessoas com limitações também conseguem fazer coisas fantásticas”, eu, também, tinha as minhas limitações. Levei o projeto até à meta e consegui fazer o ironman, a preparação é o desafio, não é a prova. Quis contar a história e criei este projeto. Afinal qualquer coisa é possível. Acho que encaixa perfeitamente na minha história. Há uma força de vontade que nós temos que nos leva longe.
Que mensagem gostaria de deixar a quem está neste processo?
Quero transmitir uma mensagem de esperança e que é possível. A coisa mais importante é não desistir, mesmo que tenhamos dias maus, “anything is possible”.